Thursday, October 21, 2010

Ressuscitar


É tão estranho como o tempo pode passar e nos transformar quase por completo. As coisas que antes faziam sentido, passam a ser acasos do destino. As coisas que jamais imaginávamos que pudessem acontecer, tomam conta da nossa vida, de mansinho,sem pressa nem pressão. Fazem-nos bem, fazem-nos relembrar o que é viver e instalam-se em nós como se tivessem estado ali toda a nossa vida. E se calhar até estiveram...
Outros caminhos são traçados a cada revolver das folhas pelo chão, novas necessidades surgem à medida que os nossos desejos se vão adaptando a este desenrolar do tempo. Novos sonhos, novos acordares...melhores adormeceres...Sorrisos.

Nada é mais o outrora, vivi...morri...ressuscitei! E não há preço que cubra o valor daqueles que, no tempo em que estive morta, a muito custo me tentavam trazer de volta à Vida!

Sunday, October 10, 2010

O roubo dos sonhos


Todas as noites sonhava com lugares povoados com seres estranhos, que me pareciam familiares, mas ao mesmo tempo não lhes reconhecia os traços. Vivíamos em árvores enormes que me causavam vertigens. Num esticar dos dedos podia sentir a humidade das nuvens que passavam, empurradas pelo vento do bater das asas das borboletas. Borboletas que caíam às cascatas de pontos no céu, envoltas num vapor colorido que formava mil e um arco-íris. A cada inspirar daquele vapor sentia-me renovada e o meu coração parecia até bater com mais intensidade. Podia atirar-me de cima da árvore mais alta que caía sempre em segurança, num vasto mar de relva coberta de orvalho. Eu sonhava a cores.
Tal como na ilha de Calipso, a perfeição abundava. A perfeição das formas, das cores, dos sons, de cada forma de vida...
Mas ao contrário do ardiloso Ulisses, eu não desejava abandonar os prazeres de uma vida sem defeito, sem mácula. A ilusão a cores era a minha realidade, e a realidade afigurava-se como o sonho a preto e branco que eu não queria ter.
Até que um dia adormeci e a noite não foi mais do que uma sucessão de horas negras e silenciosas.Longe iam as noites preenchidas por curtas metragens de correrias loucas entre a relva alta, enquanto milhares de gafanhotos se precipitavam para fugir de mim. Não houve mais baobás nem cascatas de borboletas. Sonhei a preto e branco...e desfaleci.

Num terremoto interior, fiquei prostrada num chão frio à espera que uma mão daqueles seres estranhos me viesse ajudar a erguer. Essa ajuda não chegou. Nem o sonho voltou. Deixei de querer dormir, porque chegava a doer o vazio que eram as minhas noites. Na batalha inglória para manter as pálpebras entreabertas, fui apagando a réstia de sonhos soltos que ainda habitavam os recantos mais recônditos do meu ser.

Demorei algum tempo a perceber que não sonho mais porque houve um ladrão que roubou todos os sonhos da arca velha e a cheirar a mofo que é a minha mente...

Para aqueles que sonham a cores!