Wednesday, August 10, 2011

Aquilo que se quebra

Tudo aquilo que se quebra não pode ser recuperado na sua perfeição original.

A mão rechonchuda e quente de uma criança aos risos pela casa, inadvertidamente encontra-se com uma jarra de porcelana antiga. Não é propriamente uma jarra bonita, mas a ela está associado um grande valor sentimental. Era de um branco sujo, mas difícil de distinguir se sempre tinha sido daquela cor, ou se o tempo e a gordura de várias mãos lhe tinham conferido a tonalidade. Duas largas riscas bege contornavam o círculo na base e no topo. Estampado estava um ramo de dálias amarelo torrado.

Uma avó de lábios cor de uva, e rugas bem demarcadas estendeu-a um dia na tua direcção. Queria que ficasses com ela, e à sua maneira disse que não tinha muito mais para deixar-te, e tinha pena por isso. Deixar-te-ia tudo o que tinha, mas o que tinha era tão pouco, que transferiu para essa jarra toda a sua intenção, todo o seu amor.

Juntaste cada bocado com todo o cuidado. Não temias cortar-te, mas sim que a fragilidade de cada pedaço partido pudesse desfazê-lo por inteiro. Temias que aquela jarra agora partida, pudesse ter deixado escapar todo o amor que continha. Que aquela senhora de sorriso cor de uva e cabelos grisalhos deixasse de existir assim, numa jarra estilhaçada.

As rachaduras foram preenchidas por cola que secou e deixou relevo na superfície outrora macia e lustrosa. As pétalas das dálias já não pareciam tão perfeitas e aveludadas, a cola retirara-lhes o brilho e juntamente com as várias rachaduras quebrou a continuidade das riscas. Pensando bem, até tinha sido uma jarra bonita...
Já não era mais a jarra que ela te tinha estendido naquele fim de tarde, era a jarra que tinhas juntado do chão com lágrimas nos olhos.

Ergueste-te e colocaste-a num lugar mais alto, longe daquelas mãos que a tua avó tanto ia adorar ter segurado.

"Grandmothers and roses are much the same. Each are God's masterpieces with different names." ♥ Miss you...