Wednesday, September 9, 2009

Lembro-me...


Todos os dias da vida têm algum significado. Mesmo que as acções decorridas ao longo de todas aquelas 24h tenham sido automáticas e inconscientes. Não há é forma de deslindar que efeitos poderão ter, no futuro que se aproxima a passos largos.
Lembro-me de coisas tão insignificantes, como das mais marcantes e traumatizantes. Lembro-me da minha mãe de vestido verde alface justo à barriga proeminente, à espera do meu segundo irmão. Lembro-me das palavras, perfeitamente previsíveis, que ela disse à minha tia quando ele nasceu: "É um menino!" Lembro-me depois das quedas que ele deu, das lágrimas que chorou...e do medo que senti.
Lembro-me da minha avó a enrolar-me o cabelo nos dedos enrugados e quentes, enquanto víamos um qualquer programa de fim de tarde, numa altura em que também não tínhamos muita escolha (diga-se, nenhuma). Lembro-me de acordar de noite com os gemidos dela, porque cãibras lhe atacavam os músculos das pernas. Dava-lhe uma massagem e ouvia-a respirar de alívio.
Lembro-me da minha tristeza e sensação de vazio cada vez que as minhas tias, a quem eu adorava, emigravam. A casa da minha avó, apesar de pequena, parecia sempre enorme e vazia depois da sua partida. Durante alguns anos foi sempre assim. Ficava a olhar para as paredes a lamentar-me de estar sozinha de novo. Lembro-me de quando finalmente regressavam e eu não me continha de tanta alegria! O Natal parecia mais Natal.
Lembro-me da boneca de cabelos cor de ouro, que a minha mãe me chamou para admirar e depois (e foi maldade, vá lá!) disse que estava vendida para outra pessoa. Lembro-me de mais tarde desembrulhar um presente, e descobrir que afinal aquela pessoa era eu!
Lembro-me de andar descalça por puro gozo. Nos dias de calor andava em cima da linha contínua na estrada (que hoje parece nunca ter existido) porque era mais fresca que o alcatrão. Lembro-me de ser obrigada a calçar uns sapatos brancos horríveis, não por serem brancos mas por serem simplesmente...feios!
Lembro-me de apostar que o meu terceiro irmão seria uma menina, para eu poder brincar com ela... E veio mais um rapaz, que eu não deixei de adorar!
Lembro-me de ter medo de dormir sozinha. Lembro-me de acreditar no Pai Natal. Lembro-me de eu e o meu irmão, aquele que partilhou comigo a infância, ficarmos extasiados ao ver a minha mãe passar bâton nos lábios. Fazíamos os mesmos gestos que ela sem notarmos quão ridículos devíamos parecer. Lembro-me de experimentarmos fazer chá de várias ervas...já só estava a faltar o chá de couve quando a minha mãe chegou!
Não sabia que devia guardar estes pequenos tesouros para mais tarde recordar. Era criança, e não sabia o valor de cada momento. Mas, a mente é incrível. Está tudo aqui dentro guardado, com cheiro a esquecimento e a naftalina, mas com uma vivacidade singular!

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